02 novembro 2015

António José Maldonado, o professor e o poeta. por Regina Gouveia

Em Outubro de 1955, com 10 anos incompletos, entrei para o 1º ano do então Liceu Nacional de Bragança. O fascínio de uma nova etapa da minha vida onde quase tudo era novidade, a começar pela dimensão da escola. De entre as colegas da 4ª classe, poucas continuaram estudos, pelo que não conhecia a maior parte das alunas da  turma A, onde me “encaixaram” com mais 30 meninas. O Liceu era misto, contrariamente à escola onde fizera a 4ª classe mas, genericamente, meninos e meninas não partilhavam espaços. A professora Lina, fora substituída por vários professores, creio que nove. Entre esses professores estava o Dr. António José Maldonado, professor de Português. Recordo-o como um professor muito afável mas bastante permissivo pelo que  não se aprendia muito nas suas aulas.
Voltei a tê-lo como professor na disciplina de História no 5º ano (actual 9º). Por motivos de saúde foi substituído, creio que no início do 2º período.
Por essa altura, surgiu na escola uma nova professora de Inglês, a Drª Aurora, com quem o Dr. Maldonado viria a casar.
Não voltei a tê-lo como professor. Quer no 6º quer no 7º ano, embora as turmas fossem mistas, eram desdobradas na disciplina de Filosofia. O Dr. Maldonado dava aulas aos rapazes e o Dr. Lopes da Silva, então Reitor,  às meninas.
Já no fim da minha passagem por Bragança, constou-me que teria escrito um livro de poesia Futuros ou não.,
Embora tivesse sempre uma palavra gentil para me dizer se me visse na escola ou na rua, nunca me apercebi do seu lado poético, o que não é de estranhar pois era ainda muito jovem quando  fui sua aluna.

Transcrevo um dos poemas desse livro

Futuros ou não
viajemos um para o outro, tranquilos; 
viajemos, sombras fugidias, levemente 
            eternas:
- Tu para mim, eu para ti.
  Futuros ou não,
passemos nos lábios inventando o fogo, 
passemos nos corpos repartindo as nascentes, 
passemos nas almas pronunciando espaço. 
  Como o ruído dos passos gasta a solidão
            dos caminhos,
assim tu em mim,
chegada de muitos gestos, dum mundo e de 
            outro mundo, do alfa e do omega.


António José Maldonado foi inserido pela crítica na chamada "Geração de 50", que se tornou célebre pelo seu inconformismo e revolta contra o regime salazarista. De entre os seus poemas destacam-se particularmente "Êxodo", "Dies Irae" e "Os Fundadores de Cidades". 

Na passada semana tive o tempo um pouco mais livre pelo que deambulei pela Baixa, muito em particular por livrarias. E numa delas, na Praça Guilherme Gomes Fernandes, descobri  Limite Cultivado, um livro de  António José Maldonado, prefaciado por Fernando Guimarães que também conheci como professor do Liceu de Bragança, embora nunca tivesse sido meu professor 



O texto acima corresponde a um “post” que coloquei  no meu blogue (www.docaosaocosmos.blogspot.com)  em 12/7/2015

Acrescento agora dois poemas da obra  Limite cultivado.

PAREDE SEM QUADRO
Na parede
o orifício ultrapassado
desacertado na ferida
e na razão de usá-la

Chegámos ao fim
não temos passos de volta
-Companheiro
que esperas?

INVOCO ALDEIAS
Invoco aldeias
o lápis do rio escrevendo vidro
fiéis rebanhos a caminhos
E parto
entendido de teu rosto
e das sebes em declínio



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