29 setembro 2015

ATA N.º 1/2015

Foto de arquivo

ATA N.º 1/2015

Aos vinte e cinco dias do mês de Julho de dois mil e quinze, na sede da Academia de Letras de Trás-os-Montes (ALTM) reuniu-se a sua Direção pela primeira vez desde que foi eleita a seis de Junho de dois mil e quinze. -----------------------------------------------
Estiveram presentes o Presidente, António Carneiro Chaves, o Vice-Presidente, José Mário Leite, a Tesoureira, Maria Idalina Alves de Brito e o Vogal, António Pimenta de Castro. Faltou o Secretário, Carlos do Nascimento Ferreira.-----------------------------------
Assim, quem Secretariou a mesma, foi António Pimenta de Castro. -------------------------
O Presidente da Academia, tinha convidado para esta primeira Reunião, todos os elementos dos Órgãos Dirigentes da ALTM: Direcção, Assembleia Geral e Conselho Fiscal, afim de melhor se conhecerem, e, em conjunto, poderem apresentar e discutir propostas para a evolução da Academia. Porém, pelas mais diversas razões, só estiveram presentes o Presidente do Conselho Fiscal, João Barroso da Fonte e o segundo Vogal do mesmo, Cláudio Amilcar Carneiro.---------------------------------------------
Maria Idalina Alves de Brito apresentou à restante Direção toda a documentação existente que organizou de forma adequada de acordo com a sua natureza e as indicações existentes. Deste trabalho resultou um quadro demonstrativo das receitas e despesas, bem como os valores a receber e a pagar, resultando desta análise uma situação líquida apurada á data e com base nos referidos documentos de 124,10 euros de saldo positivo. ------------------------------------------------------------------------------------O Presidente, depois de informar os presentes dos contactos e conversas tidas com os responsáveis da Direção cessante, teceu algumas considerações sobre a fragilidade da situação financeira da Academia chamando a atenção para a necessidade de contenção de despesas e aumento das receitas, nomeadamente pela captação de novos associados, aumento e diversificação de atividades sejam de iniciativa própria, como os Cursos de fomento de criatividade na escrita, seja em cooperação e colaboração com as Câmaras Municipais sobretudo dando continuação com a devida atualização ao programa de registos em vídeo dos depoimentos dos escritores transmontanos. Este último programa foi iniciado durante o mandato anterior sob a coordenação e execução de cineasta Leonel de Brito, que tem vindo a colaborar com a Academia. A este propósito e sabendo da presença de Leonel de Brito em Bragança informou que o havia convidado a, de viva voz, explicar aos restantes membros da Direção a forma como este programa se iniciou e como pode ser continuado. ------------------------------------------------------------------------------------------------
A reunião foi interrompida para que se pudesse chamar o cineasta Leonel de Brito que sucintamente manifestou a sua disponibilidade para continuar a colaborar com a Academia de Letras, contudo demonstrou que havia necessidade de atualização das contrapartidas a cobrar à Academia e às Câmaras Municipais pois os valores até então tidos como referenciais dos custos com a elaboração dos referidos depoimentos eram manifestamente insuficientes, realidade perfeitamente entendida por todos os presentes que concordaram que o valor mínimo para a recolha e edição não poderia nunca ser inferior a quinhentos euros. Foi deliberado que iriam propor às Câmaras Municipais transmontanas a continuação do Programa com um custo para elas da ordem dos setecentos e cinquenta euros para fazer face aos serviços prestados pelo cineasta e restantes custos a serem suportados pela Academia na produção final e distribuição dos exemplares a entregar às autarquias.---------------------
Tendo-se ausentado Leonel de Brito, deu-se continuação á reunião no ponto onde tinha sido interrompida, para aprovar os valores referidos atrás. Ficou ainda decidido que as autarquias do distrito de Bragança seriam abordadas, em nome e representação da Academia, pelo Vice-Presidente, José Mário Leite que se faria acompanhar por outros membros da direção que tivessem disponibilidade para o acompanhar sendo que o mesmo aproveitaria a sua estadia, para breve, no distrito, para agendar reuniões com o Presidente da Câmara de Bragança e com os Presidentes das Câmaras do sul do distrito que tivessem disponibilidade para o receber. As Autarquias do Distrito de Vila Real irão ser abordadas diretamente pelo Presidente António Carneiro Chaves. ------------------------------------------------------------------
Para que os membros da Direção presentes ficassem a saber com exatidão o texto, foi lido, pelo Presidente da Academia, o protocolo celebrado pela Adademia, com a Câmara Municipal de Bragança.--------------------------------------------------------------------------
Ficou aprovado que se iria mandar aos sócios com quotas atrasadas, um mail, ou uma carta, chamando-os á atenção para este facto, a fim de regularizarem a sua situação. Ficou ainda decidido, chamar á atenção, sobretudo aos sócios que nunca pagaram as suas quotas, para esta situação, com a finalidade de se saber qual era a sua posição, relativamente  á Academia.-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Foi considerado que dois objectivos prioritários para este mandato eram: aumentar o número de associados em cinquenta por cento e igualmente dinamizar a Academia en Tráos-os-Montes, uma vez que, neste momento, a maioria dos sócios de situam nas áreas do grande Port e na grande Lisboa.-----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------    
Nesse sentido, o Presidente instou os presentes a empenharem-se em geral, com enfoque especial na sua área de residência, na promoção da Academia e na captação de novos associados. A este propósito, Maria Idalina Alves de Brito informou a Direção dos pedidos de adesão existentes e que foram, depois de analisados, aprovados e que ficaram com os números de ordem indicados:---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
105 -Tiago Manuel Ribeiro Patrício---------------------------------------------------------------------
106 - Ernesto Salgado Areias--------------------------------------------------------------------------
107 - José Rentes de Carvalho------------------------------------------------------------------------
108 - Floriano Augusto Paulo --------------------------------------------------------------------------
109 - Abel Augusto Madeira de Lacerda Botelho -------------------------------------------------
110 - António José Alves -------------------------------------------------------------------------------
111 - Bernardino Pacheco Henriques ---------------------------------------------------------------
112 - Porfírio Augusto Baptista Alves Pires --------------------------------------------------------
113 - José Dias Baptista --------------------------------------------------------------------------------
114 - Mª Júlia Ribeiro ------------------------------------------------------------------------------------
115 - José Rodrigues Dias -----------------------------------------------------------------------------
116 - Maria de Lurdes Baptista ------------------------------------------------------------------------
117 - Paula Maria M M  ----------------------------------------------------------------------------------
118 - Silvino Alberto -------------------------------------------------------------------------------------
119 - Maria Marques ------------------------------------------------------------------------------------
120 - Agostinho Chaves -------------------------------------------------------------------------------
121 - Donzília Martins ----------------------------------------------------------------------------------
122 - Jorge Lage -----------------------------------------------------------------------------------------
123 - Artur Coimbra -------------------------------------------------------------------------------------
124 - Custódio Montes ----------------------------------------------------------------------------------
125 - Fernando Calvão ----------------------------------------------------------------------------------
126 - Francisco Gouveia --------------------------------------------------------------------------------
127 - Abel Moutinho -------------------------------------------------------------------------------------
128 - Manuela Morais -----------------------------------------------------------------------------------
129 - Helder Martins -------------------------------------------------------------------------------------
130 - Elísio Amaral Neves -------------------------------------------------------------------------------
131 - Henrique Barroso Fernandes -------------------------------------------------------------------
132 - Cristina Torrão -------------------------------------------------------------------------------------
133 - Armando Palavras ---------------------------------------------------------------------------------
134 - Isabel Viçoso ----------------------------------------------------------------------------------------
135 - Deolinda Silva ---------------------------------------------------------------------------------------
136 - Júlio Brás --------------------------------------------------------------------------------------------
137 - Lourenço Fortes ------------------------------------------------------------------------------------
138 - Norberto Vale Cardoso  --------------------------------------------------------------------------
139 - Virgílio do Vale -------------------------------------------------------------------------------------
140 - Nuno Nozelos ---------------------------------------------------------------------------------------
141 - Luís Jales de Oliveira -------------------------------------------------------------------------------
142 - Maria Eugénia Silva Neto --------------------------------------------------------------------------
143 - Alípio Martins Afonso --------------------------------------------------------------------------------144 - Laura Esteves Afonso ------------------------------------------------------------------------------
145 - José Pires ----------------------------------------------------------------------------------------------
146 - Norberto Cardoso (pai) -----------------------------------------------------------------------------
147 - José António Costa Pereira -----------------------------------------------------------------------
148 - Jorge Golias --------------------------------------------------------------------------------------------
149 - Maria Adília Bento Fernandes da Fonseca -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Estando em curso o projeto de promoção e instalação em Bragança do Museu da Língua, obra de inegável valor e importância para a região e sobretudo para a Academia de Letras a direção reconheceu a necessidade de continuar a ter uma voz ativa e participante na conceção e realização deste equipamento. Por indicação do presidente e aceite por unanimidade foi deliberado que o Vice-Presidente, José Mário Leite representaria a Academia de Letras em todas as reuniões e outras atividades relacionadas com este tema. ------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Foi igualmente deliberado dar todos os poderes de representação da Academia ao Vice-Presidente José Mário Leite, para outorgar em nome da Direção os documentos de candidatura ao Programa de Apoio aos Agentes Culturais da Direção Regional de Cultura do Norte, em aberto e cujas candidaturas terão de ser submetidas até ao dia 15 de Agosto do corrente ano. -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Nada mais havendo a tratar foi dada por encerrada a reunião da qual se lavrou a presente ata que vai ser assinada pelo Presidente da Direção e por mim, António Pimenta de Castro que a redigiu. -----------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
Bragança, 25 de Julho de 2015

O Presidente da Direção da ALTM


António Carneiro Chaves


O Vogal da Direção da ALTM


António Pimenta de Castro


28 setembro 2015

Torre de Moncorvo ,por Cláudio Carneiro

Foto de Leonel Brito
TORRE DE MONCORVO

Ó Torre genuína, verdadeira,
Jardim feito de sonho imorredouro,
Entre o rio Sabor e o rio Douro,
Na encosta que se alonga sobranceira.

Ó gente ousada, ilustre, hospitaleira,
Gente de uma só cara, que vale ouro,
Ouso invocar-te deste miradouro
Onde me encontro, a meio da ladeira.

Edénica relíquia, terra amiga,
Esbelta, sedutora, embora antiga,
Primitivo vergel de Eva e de Adão.

Símbolo da pureza, privilégio
Do Povo trasmontano e seu egrégio,
Pela mercê da sua condição.

Com um abraço trasmontano, a amizade do chacinense
Cláudio Carneiro


21 setembro 2015

Amadeu Ferreira ,Teresa Martins Marques e Eugénio Lisboa

Amadeu Ferreira ,Teresa Martins Marques e Eugénio Lisboa

Foi em recolhimento que li este texto (publicado no “JL”) em que Eugénio Lisboa, uma marcante personalidade da Cultura, fala de um homem bom, Amadeu Ferreira, com a generosidade que perpassa nas suas palavras, evocando a brilhante biografia escrita por Teresa Martins Marques sobre "essa grande figura do intelecto, da acção e do coração". É, portanto, em agradecimento a Eugénio Lisboa (que, em outras ocasiões, tem proporcionado ao DRN idênticas e valiosas oportunidades) que ora se publica esta peça literária:

“Nunca faças coisas pela metade”.
Provérbio

De uma biografia falo hoje. As biografias são uma espécie traiçoeira: dizia Wilde que todo o grande homem tem os seus discípulos, mas é sempre Judas quem lhe escreve a biografia. Tem-se visto que é assim. Mas não é de modo nenhum o caso que hoje aqui nos traz: a monumental dádiva biográfica que Teresa Martins Marques quis consagrar a essa grande figura do intelecto, da acção e do coração, que foi Amadeu Ferreira, há pouco falecido.

O livro que tenho à minha frente – O Fio das Lembranças / Biografia de Amadeu Ferreira – é o monstruoso pagamento de uma promessa. É o mais improvável acto de generosidade e entrega a que, até hoje, me foi dado assistir: 400 páginas de texto construído sob o império de uma vontade inquebrantável e à pressão de uma terrível urgência (concluir a obra, se possível, a tempo de o biografado – mortalmente doente – a poder ainda ler), acrescidas de outras tantas de testemunhos de amigos, colegas e admiradores, arrancados, coligidos e “montados”, com uma energia que não é deste mundo. Pacto fáustico com o diabo? Sei lá!

De qualquer modo, Teresa Martins Marques tem o hábito de obedecer ao provérbio que dou em epígrafe: “Nunca faças coisas pela metade.” As obras dela, começadas, talvez, como coisas para dimensões normais, acabam por se lhe expandir, nas mãos, alargando-se, pantagruelicamente, até atingirem o volume capaz de lá se lhe meter tudo. Viu-se isso com a monumental dissertação de doutoramento que dedicou a David Mourão-Ferreira, e vê-se, agora, com este prodigioso empreendimento, que é o livro que dá nova e mais concentrada vida à vida singular desse jurista, professor, poeta, romancista, e estudioso e divulgador do mirandês – além de “campeador melhorista”, para usar uma expressão de António Sérgio – que foi Amadeu Ferreira.
Teresa Martins Marques e Amadeu Ferreira

 Eugénio Lisboa
Em 2009, a autora desta biografia conheceu o jurista, escritor e militante da cultura mirandesa, Amadeu Ferreira, num almoço aprazado entre este e o seu amigo Ernesto Rodrigues – e logo se deixou enfeitiçar pela “luminosidade do olhar, o sorriso franco, a perspicácia das observações, a determinação das suas posições, a agilidade da sua inteligência.” Depois, ao longo dos encontros e das leituras, foi coleccionando outras virtudes do futuro biografado: cultura, simpatia, bondade, dedicação aos outros (de preferência aos “necessitados”), postura cívica impecável. A que veio acrescentar-se a admiração pelo poeta, pelo ficcionista e pelo campeador da língua de Miranda, para a qual verteu a “Mensagem” e” Os Lusíadas”.
Com a empatia profunda, o apelo tornou-se irresistível. Num encontro em Bragança, finalmente, tudo aconteceu: “num impulso que ainda hoje não sei explicar”, disse-lhe: «Você merece que lhe escrevam a biografia.»” O resultado da promessa então feita é este livro, levado a cabo a golpes de energia e obstinação. Boa pagadora de promessas, Teresa Martins Marques foi dando forma e volume à vida verdadeiramente épica e exemplar do autor de “Tempo de Fogo “(La Bouba de la Tenerie, em Mirandês). Dizia Virginia Woolf que “biografia é dar a um homem uma espécie de forma, depois da sua morte”. Foi isto mesmo que fez a biógrafa deste homem bom e inteligente (binário improvável), ao longo das 800 páginas desta obra (porque as 400 de testemunhos cumprem exactamente o mesmo objectivo): livro que se não pode ler, a não ser com muitas horas disponíveis e um pequeno guindaste que o suspenda diante dos nossos olhos atónitos e dos nossos braços impotentes…
 Segundo Carlyle, o dos “Heróis”, uma vida bem escrita é quase tão rara como uma vida bem vivida. Amadeu Ferreira foi, neste sentido, um privilegiado: apesar de originalmente pobre, no sentido mais despido do termo – oriundo de um berço desacautelado, em Sendim, Miranda do Douro – viveu uma vida bem recheada, onde nada lhe foi dado e tudo teve que conquistar (e foi muito) a pulso e à força de carácter e inteligência, subindo, sem golpes nem atropelos, ao topo de uma carreira difícil e minada, e deixando, atrás de si, um rasto luminoso de seres a quem ajudou, promoveu e libertou. 
Tendo, no final, e contra todas as probabilidades, encontrado quem lhe escrevesse a odisseia, uma, talvez, destacando-se de poucas mais, idênticas, mas que ficaram, essas, sem crónica que as lembre à memória dos homens. Pode ser que ser pobre não seja um crime, como rezam uns provérbios que andam por aí a tentar amaciar uma condição intolerável, mas permitir que a pobreza exista e persista – é, por certo, um crime hediondo, que os nossos quarenta e um anos de democracia ainda nem sequer tentaram resolver, permitindo até que se concentre quase toda a riqueza nas mãos de alguns oficialmente cristãos, que piamente nos aconselham a vivermos com pouco e a resignarmo-nos muito. Que, dos pobres, é o reino dos céus, o qual os ricos meticulosamente evitam.
 O livro, em boa hora congeminado e redigido por Teresa Martins Marques, apoiou-se numa séria e abundante consulta de documentos e em muitas horas de entrevista filmada pelo excelente e cuidadoso Leonel de Brito, entre Novembro de 2013 e Janeiro de 2014 (ao todo, 31 horas “densas de pormenores, riquíssimas de conteúdo”) – obra que “permitisse entender o pulsar da sua inteligência” e, acentua Teresa, “retribuir-lhe a atenção que ele sempre dá aos outros.”
 Não resisto a reproduzir aqui como tudo isto – a filmagem – aconteceu: “A ideia que permitiu escrever esta biografia no prazo de um ano partiu dele [de Leonel de Brito] como sempre acontece. O Leonel tem belas ideias e sabe colocá-las rapidamente em prática, graças à sua imensa experiência de cineasta conceituado, que sabe fazer belos filmes como Gente do Norte, que voltei a ver agora na Cinemateca. Num café ao lado da nova CMVM, na Rua Laura Alves, o Leonel, o António Tiza, o Rogério Rodrigues e eu esperávamos a chegada do Ernesto [Rodrigues] para visualizarmos, com o Amadeu, o documentário que o Leonel fizera em Sendim, com os pais [do Amadeu], a seu pedido. Discutíamos entre nós a melhor forma de dar alegria ao Amadeu, naquele momento tão complicado da sua saúde. O Leonel olha para mim e pergunta: «E se fizéssemos também um filme com o Amadeu?» Sorri e agarrei a ideia no ar. Mal entrámos no seu gabinete, na CMVM, ataquei o objectivo: «Amadeu, quero pedir-te uma coisa: preciso que faças umas gravações com o Leonel, como material de base da biografia.» Nem um segundo hesitou: «Quando começamos?»”
 Eis o que permitiu à biógrafa colher ao vivo, a quente, o depoimento, em discurso directo, do biografado – com a vitalidade pulsante que nenhum documento transmite.
 É quase criminoso fazer uma recensão crítica confinada ao cárcere dos 6000 ou 7000 caracteres que o JL me concede, quando se trata de um livro tão volumoso, tão rico, tão cheio de histórias de exemplo e proveito, como é este Fio das Lembranças, que nos entrega, generoso, inteligente e palpitante, um dos mais singulares passageiros do nosso tempo.
 Quero terminar, transcrevendo umas palavras que Amadeu Ferreira proferiu, numa entrevista dada, em Abril de 2005, ao Programa Nordeste com Carinho, de Maria de Jesus Cepeda e Marcolino Cepeda. Ao pedido dos entrevistadores – “Fale-nos da sua «Construção do Céu», para utilizar palavras suas” – Amadeu Ferreira respondeu: “A «Construção do Céu» é um pouco aquela ideia que eu teria… eu tenho uma dívida para com a sociedade… A primeira imagem de uma sociedade perfeita que eu conheci, conheci-a no seminário, que é o «Céu» e, portanto, de alguma forma, achei que tinha o dever de fazer com que o Céu fosse cá na Terra. De alguma forma foi esse o céu em que eu sempre acreditei, pelo qual sempre me esforcei e isso passou por várias atitudes na minha vida (…)”.
 Amadeu Ferreira sentiu, desde muito novo, que tinha “uma dívida para com a sociedade” e prometeu a si próprio pagá-la. Bom e honesto pagador de promessas, saldou, com generoso exagero, essa dívida. Teresa Martins Marques, por sua vez, quando o conheceu, sentiu que lhe devia uma biografia e prometeu fazê-la: também boa pagadora de promessas, cumpriu, à grande medida e sem se poupar, a dívida contraída. Duas belas histórias de pagamento de promessas, em tempos em que muito se promete e pouco se cumpre. Uma pessoa com coragem constitui uma maioria, disse Andrew Jackson. Duas pessoas com coragem constituem uma imensa maioria.

Eugénio Lisboa

«Tertulia sobre Trás-os-Montes e Alto Douro e os seus escritores

Ao C/ do Presidente e de toda a Direcção da Academia: 

Para conhecimento da Direcção e na sequência do convite que me foi feito pelo Dr. António Chaves para o representar na «Tertulia sobre Trás-os-Montes e Alto Douro e os seus escritores, que decorreu na Biblioteca do Porto, no Pavilhão dos Jardins do Palácio de Cristal, integrado na Feira do Livro pelas 16 h do dia 20 de Setembro , cuja iniciativa ficou a dever-se à Empresa Traga-Mundos, de António Alberto Alves, informo que procurei cumprir a incumbência, desde a abertura até final. A Tertúlia foi moderada pelo n/ Associado Sagué, que chamou para a mesa  o Filósofo Francisco Alves e a Drª Hercília Agarez. Todos eles centraram o seu depoimento no papel dos autores Transmontanos, acentuando a identidade, os aspectos relacionados com a antropologia cultural, com qualidade e quantidade dos muitos e bons autores que a Região teve, desde os primórdios da nacionalidade. Não foram esquecidos os três vultos da literatura que este ano nos deixaram, nomeadamente: Amadeu Ferreira, Luísa Dacosta e Bento da Cruz.
O moderador convidou-nos, na qualidade de representante do Presidente da Direcção da Academia para esclarecer os participantes das vantagens de sermos cada vez mais solidários e coesos na defesa dos nossos valores.
 Usaram ainda da palavra os autores: Jorge José Alves e Virgínia Cunha que falou do êxito do V Encontro de Escritores Transmontanos em Macedo de Cavaleiros, onde a Academia também esteve representada por três membros da Direcção. Sou de opinião que esta tertúlia teve apenas uma hora de debate e deveria funcionar como experiência para fins de semana, em sistema rotativo pelos núcleos dos grupos de associados de que se falou na reunião de Direcção de 6 de Junho último. Marcaram presença cerca de três dezenas. É que no fim desta tarde de Domingo, o promotor deste Encontro conseguiu reunir muita gente interessada em falar e ouvir falar de os seus comprovincianos. Vários nos disseram que vinham para intervir e trocar experiências. E que uma hora passou depressa.Também eu regressei a Guimarães radiante com o que ouvi não só dos três membros da Mesa, mas também a resignação de quem ali foi para passar horas. O infatigável António Alberto Alves que criou e dirige a Livraria Traga-Mundos, já provou ser pioneiro destacado nesta dimensão cultural que faz escola, gera movimentos culturais, concilia produtos tão diversificados como a difusão dos melhores vinhos do Douro e de toda a região, de produtos da terra e de livros, novos e velhos  e até consegue espaço em ambientes como foi este da Feira do Livro do Porto. Com a Traga Mundos colaborou a Editora Lema d' Origem. Guimarães, 20/9/2015 . 

Barroso da Fonte

 

17 setembro 2015

José Mário Leite // CULTURA POR CAUSA CULTURA POR ACASO

A dramática morte de Amadeu Ferreira conduziu à convocação de eleições para os corpos dirigentes da Academia de Letras de Trás-os-Montes a que presidia.
A nova direção, na sua primeira reunião, em Bragança, ciente da enorme herança recebida das carismáticas presidências que a antecederam, resolveu arregaçar as mangas e começar a trabalhar. Sendo a sua atividade baseada no voluntariado dos associados que têm, na sua maioria, outras ocupações profissionais e residem, muitos deles, fora da região, foi deliberado fazer-se representar, no distrito de Vila Real pelo presidente, António Chaves e no distrito de Bragança, pelo vice-presidente, o que muito me honrou.
Informei que era minha intenção iniciar tal tarefa com a apresentação de cumprimentos a todas as Câmaras Municipais começando pela capital do distrito e continuando a partir do sul do distrito onde iria estar durante um curto período de férias. Aproveitaria para indagar junto do poder político quais as possibilidades de cooperação entre as autarquias e a Academia. Sabia bem que o período de férias tem as suas contingências próprias da época e estava, obviamente, a contar com algumas dificuldades não só de agendamento mas também de obter a atenção necessária dos autarcas brigantinos. Foi, por isso mesmo, uma enorme e agradável satisfação constatar a forma afável e de genuíno interesse com que fui recebido nos Paços do Concelho, pelos respetivos autarcas. Todos os que me receberam me brindaram com disponibilidade e empenho para promover a literatura e os autores transmontanos e assim contribuir para a divulgação e enriquecimento das línguas portuguesa e mirandesa.
A falta de tempo não me permitia programar reuniões em todas as Câmaras. Das que estavam na minha agenda houve apenas uma onde não consegui apresentar-me. Estou certo que a culpa não terá sido dos responsáveis políticos. Mas isso não me compete a mim avaliar. Relato apenas o ocorrido.
– Bom dia! É da Câmara Municipal? Eu queria marcar uma curta audiência com os senhor presidente da Câmara.
– Um minuto. Vou passar ao gabinete de Apoio.
– Concerteza...
– Quem é que quer falar com o Presidente?
– Sou José Mário Leite, vice-presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes e queria apresentar, pessoalmente, cumprimentos ao sr. Presidente. Amanhã ou depois...
– O Presidente não está amanhã nem depois. Pode ser com o vereador da Cultura, depois de amanhã?
– Pode. Diga-me a que horas.
– Não lhe posso dizer agora. Primeiro tenho de lhe perguntar.
– Quando posso telefonar de novo para saber?
– O sr. não precisa telefonar. Eu ligo-lhe a informar...
– Mas eu não me importo de ligar...
– O senhor não entendeu o que eu lhe disse? – ríspida! – O senhor não liga. Eu tenho aqui o seu numero registado e sou eu que lhe ligo, depois.
Nesse dia não liguei. E no seguinte só telefonei às dezasseis menos um quarto, receoso de ver gorada a marcação. Atendeu-me a telefonista que, simpaticamente me informou que a pessoa com quem tinha falado no dia anterior já não estava. “Saímos às quatro” informou.  “Mas ainda não são quatro horas...” balbuciei. “A hora de saída agora é às quatro” reforçou. Tentei falar com outra pessoa mas já não estava ninguém, nem no secretariado do presidente nem do vereador, nem nenhum dos titulares. “Ligasse mais cedo” “Garantiram que me ligavam...” “Se lhe garantiram que ligavam, vão ligar. Tem de esperar...”
 
Cá estou eu à espera. Desde meados de Agosto! 
Fonte: Mensageiro de Bragança( http://www.mdb.pt/content/cultura-por-causa-cultura-por-acaso )

03 setembro 2015

Bento da Cruz -Discurso

Bento da Cruz - O Príncipe do Planalto


O Príncipe das Letras do Planalto Barrosão deixou-nos na passada noite de 25 para 26 de Agosto, depois de ter abraçado o filho com comovente serenidade.
A sua dimensão humana e literária e a grandeza de caráter impõem que partilhamos com os seus pares uma breve síntese do que foram os traços dominantes do seu percurso de vida e de obra, dirigida em particular a quem não teve a oportunidade de privar de perto com esta grande figura.
Bento da Cruz nasceu na aldeia de Peireses, concelho de Montalegre em 22 de Fevereiro de 1925.
Filho de lavradores da família conhecida pelos Marinheiros, as dificuldades da época levaram-no desde cedo ao trabalho do campo e à vida de pastor, atividades principais de sustentação das aldeias, dentro da moldura de economia rural de subsistência.
Fez os estudos primários na Escola de S. Vicente, sede da Freguesia, forçando-o a percorrer, duas vezes ao dia, a distância de três quilómetros, isto quando as chuvas e subidas dos níveis da água dos ribeiros não obrigavam a optar por outros percursos mais longos.
Em 1940 (aos 15 anos de idade) entrou para a Escola Claustral de Singeverga, dirigida por monges beneditinos, disposto a seguir a vida religiosa, única saída possível para continuar os estudos e a cultivar a paixão pelos livros. Aí completou com distinção o curso de humanidades dos Seminários, período durante o qual foi diretor literário das revistas “O Colégio” e “Claustrália”. Entrou no noviciado em 1945, mas acabou, no final do ano, por renunciar à continuação da educação religiosa. Durante o tempo de clausura entre os quinze e vinte e um anos de idade leu e traduziu extensos textos de escritores clássicos romanos e gregos da antiguidade, consolidando assim uma séria base de trabalho para o futuro escritor, habilitando-o a combinar de forma sábia, o falar e o diálogo populares com o ritmo trilhado pelos escritores clássicos.
Sobre esse longo período de seis anos de clausura diz-nos o autor: “a maior pena que tenho desse tempo é não ter vivido a experiência de vida entre os quinze e os vinte e um anos. Senti toda a vida a falta desse percurso de juventude”.
Dois anos depois deu entrada na Universidade de Coimbra onde se licenciou em Medicina e se especializou em estomatologia. Tinha então em mente regressar à sua região de origem, com uma especialidade que pudesse exercer localmente, dado que ainda não tinha chegado a energia elétrica a Montalegre.
A partir de 1957, e como médico, percorreu toda a região de Barroso, ficando conhecido pelo serviço aos pobres, a quem não levava dinheiro e até oferecia os medicamentos, em certos casos. Existe um leque de testemunhos de como naquelas terras isoladas tratou e salvou muitas vidas. Em 1971 radicou-se no Porto passando a exercer estomatologia em regime de exclusividade. Aí fundou o jornal “Correio do Planalto” que dirigiu até ao seu último sopro de vida, adquirindo particular evidência os seus “Prolegómenos”, uma parte dos quais editados já em três volumes.
Nunca se desligou da aldeia e do mundo rural em que nasceu. Passava ali as férias e ia lá sempre que podia. Reconstruiu a casa do avô Marinheiro, respeitando a traça original; e admitia: “aqui respiro melhor, durmo melhor e penso melhor”.
Demarcou desde cedo o planalto da sua ficção: “ É um planalto ou meseta delimitada por quatro serras principais e respetivos contrafortes: Larouco a norte, Alturas de Barroso a nascente, Cabreira a sul e o Gerês ao sol-posto”. 
Resumiu a sua intensa vida literária numa simples frase: “Em pequeno comecei por sachar a minha leira, como via fazer a todos os outros. Quando troquei a enxada pela caneta a minha leira passou a ser Barroso”.
Obras publicadas:
 Poesia – Hemoptise, com pseudónimo de Sabiel Truta
 Ficção – Planalto em Chamas (1963); Ao Longo da Fronteira (1964); Filhas de Lot (1967); Contos de Gostofrio (1973); O Lobo Guerrilheiro (1980); Planalto do Gostofrio (1982); Histórias da Vermelhinha (1991); Victor Branco, Escritor Barrosão – Vida e Obra (1995); O Retábulo das Virgens Loucas (1996); A Loba (2000); A Lenda de Hiran e Belkiss (2005); A Fárria (comemoração dos 50 anos de vida Literária; 2010). Biografia – Victor Branco: Escritor Barrosão, Vida e Obra (1995); Guerrilheiros Antifranquistas em Trás-os-Montes (2005); Camilo Castelo Branco: Por terras de Barroso e outros lugares (2012). Crónicas – Prolegómenos (2007); Prolegómenos II (2009); Prolegómenos III (2012).
Mendez Ferrin apreciado escritor galego qualificou, deste modo, o percurso do escritor:
Bento da Cruz é uma figura única e excecional. Salvou a memória de um período histórico, que doutra forma ficaria esquecida para sempre.
Salvou também a boa saúde da língua portuguesa e a sua capacidade múltipla, rica, numerosa, lexicamente não dependente dos dicionários e das normas nacionais.
Bento da Cruz, como Aquilino Ribeiro, como Miguel Torga pertencem a uma casta dos absolutamente incorruptíveis, de escritores que acreditam na sua própria língua, na sua capacidade, que sabem que ela é grande e suscetível de ser infinitamente ainda mais engrandecida.
Fixou como era socialmente a aldeia de Barroso do século XIX e princípios do século XX. Explicou-nos como era a aldeia, a sua composição social, as classes sociais, os ricos e os pobres, os morgados e os padres, lavradores e cabaneiros, todos representados no seu papel social e nas suas contradições de classe. Não era o lugar idílico onde todos eram iguais; havia amos e escravos, sofredores e os que infringiam o sofrimento.
É esta a preciosa oferenda que nos legou este grande escritor e grande analista da história.
Os muitos anos de estreito convívio e de sólida amizade impõem-me o dever de clarificar vários sentidos subjacentes na sua ficção, em especial os relativos à cultura e à evolução social e territorial de Barroso, perspetiva extensível também a todo o interior rural de Portugal, tarefa a que tenho dedicado alguma atenção, esperando vir a partilhar essa reflexão, em futuro próximo.
Ao bom e dedicado amigo, um forte e saudoso abraço.


António Chaves