04 outubro 2014

40 anos de vida literária de Ernesto Rodrigues - O POETA E O FRADE,por Teresa Martins Marques


 Em 2006, o Ernesto e eu fomos à Feira do Livro de Braga. Ao passarmos perto do Seminário de Montariol, o Ernesto comentou:
- Foi ali que aos 16 anos mandei imprimir o meu primeiro livro de poesia- «INCONVENCIONAL», pago pelo meu pai, é claro.
- Ali? Mas ali é um seminário franciscano!
-Sim, mas tinham lá uma gráfica. Era um frade que tomava conta dela. Um tal Frei Perdigão. Deve ter morrido há muito. Já era velho nesse tempo.
-Velho? Tu tinhas 16 anos qualquer um te parecia velho! Vamos mas é lá ver se o homem morreu ou não!
Levei o Ernesto atrás de mim, e chegámos à recepção. Camilianamente, pergunta :
- Frei Perdigão ainda é vivo?
Uns olhos muito abertos respondem:
-Sim... Está além naquele anexo. E apontava para o fundo do jardim. O Ernesto faz um ar intrigado e já eu...
-Vamos lá falar com ele!
E fomos. Um homem ainda bem conservado, soubemos depois que tinha 67 anos, olha para nós, curioso. O meu companheiro avança em direcção ao frade:
-Frei Perdigão?
Entrada principal de Montariol
-Sim. Quem me procura?
- Ernesto Rodrigues.
-Mas não é de Bragança, pois não?
-Sim... Do distrito de Bragança, da Torre de Dona Chama.
- Ora uma destas !
E nós ainda mais espantados do que ele.
- Então você é aquele catraio que me entrou aqui num dia de temporal com um livrinho de poesia para eu editar?!
- Siimm... Sou eu ...- gaguejou o Ernesto.
-Não me diga!
- Hum...
- E o que e que faz na vida o poetinha?
-Sou professor em Lisboa... na Faculdade de Letras.
- Logo vi! Logo vi que ali havia coisa com futuro!
O Ernesto emudeceu e eu atalhei.
-Mas porquê, Frei Perdigão?
- Porque eu recebia aqui quilos de poesia boa para embrulhar mercearia e de repente aparece-me um livrinho diferente, um livrinho catita e eu disse com os meus botões: sim senhor, este catraio é bom! Temos aqui homem!
-Então e continua a ser poeta, não é verdade?
- Sim...
E eu:
-Poeta e romancista... Pelo menos...
Frei Perdigão sorriu quis saber o "pelo menos", informou-se dos títulos, cada vez mais encantado. Um fantasma aparecera-lhe assim de repente do passado, não era para menos. Olha-me sorridente:
- Sabe que não o deixei ir embora nesse dia ? Começou a trovejar e disse-lhe:
-O menino hoje não sai daqui com este temporal! Vai dormir ali numa cela ...
E o frade contava , contava...
Interrompo : Frei Perdigão, o senhor que idade tinha nesse tempo?
Sorriso franco e nostálgico:
-Oh! nesse tempo era ainda um rapaz novo. Deixe ver... Tinha os meus 36 anos...
Já recompostos da emoção, na descida de Montariol, não resisti:
- Com que então, Ernesto, quando tu tinhas 16 anos o frade já era velho, muito velho...
-Longa vida, Frei Perdigão!


Teresa Martins Marques, 18 de Março de 2014.


 O Acaso  vestido de  Franciscano
 Balzac  disse que o acaso é o maior romancista do mundo. Na realidade,  ao olharmos para certos acontecimentos, que são fruto  do puro acaso, eles parecem-nos saídos das páginas de uma ficção premeditada ao ínfimo detalhe.

É o caso do meu encontro com Frei Perdigão, o franciscano que publicou Inconvencional - o primeiro livro de poesia do meu companheiro Ernesto Rodrigues.   Adolescente, eu frequentava  o Colégio de Nossa Senhora da Bonança, em Vila Nova de Gaia,  dirigido pelas Irmãs Franciscanas da Imaculada Conceição, quando a  minha professora de Português nos mandou fazer uma redacção  comemorativa do dia do santo padroeiro - São Francisco. A melhor redacção teria como prémio a publicação no jornal das Missões Franciscanas , editado em Braga, no seminário de Montariol, cuja gráfica era dirigida por Frei Henrique Perdigão. A professora mandou para a gráfica  as três melhores redacções . Frei Perdigão escolheu e publicou a minha poesia intitulada « No Alverne».  O recorte que  guardei dessa primeira aventura  em redondilha maior,  tem a data cortada.  Eu teria  talvez 14 ou 15 anos.   O acaso apareceu na adolescência  do Ernesto e na minha , vestido de frade franciscano…


NO ALVERNE

Por entre aquela montanha
Propícia à contemplação,
O Poverello se embrenha
Fazendo meditação.
Não receia as escarpas
Tempestades ou calor.
Recearia, sim, perder
O seu tão Supremo Amor.
Animado de tal vida
De tal força, de tal Fé
Já não é o pecador
Pois o seu tão grande Amor
Diz quão santo ele já é.

Di-lo a irmã cotovia,
Poisando em sua mão.
Despertando-o p’ra Matinas,
Di-lo o irmão falcão.
Revela-o Frei Pecorella
Em sua terna afeição.
Di-lo o Alverne inteiro
Em seu clamor mais profundo:
Entre mim esteve o Santo
Mais santo de todo o mundo.
Teresa Martins Marques  (14 ou 15 anos)

Publicado no jornal mensário dos Franciscanos (Braga, Abril de 1965 ? 1966?)



Frei Henrique Perdigão
Natural da Ribeira de Palheiros, freguesia de Miragaia, conselho da Lourinhã, onde nasceu a 23.01.1939. Entrou na ordem Franciscana a 10.01.1957, fez votos temporários a 15.08.1958 e, votos solenes e perpétuos 15.08.1962.
Na Província dos Portugueses da Ordem Franciscana, tem desempenhado várias  tarefas de serviço aos Irmão e à comunidade dos Homens, como enfermeiro, é o responsável pela enfermaria Provincial de Montariol e co-fundador da "Fraternidade Cristã dos Doentes e Limitados Físicos". Trabalhou com grupos de catequese e jovens.
De 1954/1980 trabalhou na Tipografia Editorial Franciscana de Montariol como compositor  mecânico e Vice-Administrador da mesma.
De 1981/1983 foi Prefeito-Adjunto do Colégio Franciscano de Motariol e  e de 1981/1984 acumulou a tarefa de Professor de Moral e Trabalhos Oficinais, no mesmo colégio.
De 1984/2000 foi responsável pelo acolhimento dos grupos juvenis que utilizavam os espaços daquela casa Franciscana para encontros, retiros, etc. Desde 1987 desempenha as funções de cronista do Convento Franciscano de Montariol.
Foi membro do conselho Pastoral e Paroquial de S. Victor; do Secretariado da Catequese da cidade de Braga; do Sínodo Diocesano pelos religiosos não clérigos ( 1994/1997). Fundou o Agrupamento de 660 CNE de Montariol, vindo a ser condecorado com a cruz de prata de S. Jorge em 1985, foi lhe atribuído Louvor Nacional pelas  Proposta  Educativa para a terceira Secção do CNE em 1992, recebeu em 1995 a medalha de ouro S. Jorge e em 2005 a Cruz Monselhor Avelino Jesus Gonçalves; coordenou a Comissão Norte das Comemorações do Stº António  em 1995 com a respectiva Exposição e vinda das Relíquias do mesmo a Portugal em 1996; organizou entre outras as exposições  do Centenário  das  Missões Franciscanas em Moçambique em 1993; Oitavo Centenário da Vocação Franciscana em 2007 e o Museu das Missões no Centro Cultural Franciscano de Lisboa

e autor  dos desenhos de suporte vitrais antonianos da Igreja de Stº António da Florida, Vigo, Espanha.

Bibliografia

Publicou os seguintes títulos:
- 60 Anos de Escutismo Católico em Portugal (1984), ed. CNE.
- Subsídios para a História da Ribeira de Palhjeiros (1992).
- D. Lourenço Vicente, Arcebispo de Braga e Primaz das Espanha (1997). (Esgotado).
- Stº António na Eiriceira (1996).
- Convento de Stº António da Lourinhã (parceira) (2003).
- Montariol nos últimos 25 anos, 1978/2003, (apresentado na reunião dos Antigos Alunos a 16 deJaneiro de 2004).
- Frei Boaventra Fernandes (2005). (Esgotado).
- Frei José Maria Custódio (1993). (Esgotado).
- Marcados mas Vivos (2005). (Esgotado).
- 25 anos ao serviço da Juventude - História do Agrupamento Escuta de Montariol. (2005).
- Colabora no jornal "Alvorada", nas revistas "Carta do Amigo" e "Monumento à Imaculada"



1 comentário:

Anónimo disse...

Ernesto Rodrigues: Um abraço a Frei Perdigão, mais jovem do que eu pensava