18 setembro 2014

Livraria Traga-Mundos presente na FEIRA DO LIVRO DO PORTO 2014

A livraria Traga-Mundos de Vila Real estará PRESENTE na Feira do Livro do Porto 2014 – stand n.º 35 –, levando o mundo literário e cultural de Trás-os-Montes e Alto Douro, de 5 a 21 de Setembro de 2014, nos Jardins do Palácio de Cristal, no Porto.
Recordamos que a Traga-Mundos é uma livraria especializada na temática de Trás-os-Montes e Alto Douro.
Onde estão presentes os autores locais e regionais, grande parte com projecção nacional e universal – Agustina Bessa-Luís, Alexandre Parafita, Altino Moreira Cardoso, Alves Redol, A.M. Pires Cabral, Amadeu Ferreira (Fracisco Niebro), Antero Neto, António Barreto, António Borges Coelho, António Cabral, António Fontes, António Fortuna, António Júlio Andrade, António Modesto Navarro, António Pena Gil, António Sá Gué, A. Passos Coelho, Armando Sena, Barroso da Fonte, Bento da Cruz, Camilo Castelo Branco, Camilo de Araújo Correia, Damas da Silva, Dias Vieira, Domingos Monteiro, Dulce Maria Cardoso, Emílio Miranda, Ernesto Rodrigues, Eurico Figueiredo, Fernão de Magalhães Gonçalves, Francisco José Viegas, Gaspar Martins Pereira, Graça Pina de Morais, Guerra Junqueiro, Isabel Mateus, Joaquim de Barros Ferreira, João de Araújo Correia, João Bigotte Chorão, João Cabrita, João de Deus Rodrigues, João Domingos Gomes Sanches, João Parente, João Pinto Vieira da Costa, José Braga-Amaral, J. Rentes de Carvalho, Luísa Dacosta, Manuel Cardoso, Manuel Vaz de Carvalho, Manuela Morais, Maria Fernanda Guimarães, Maria Olinda Rodrigues Santana, Marília Miranda Lopes, Mário Correia, Mário Mendes, M. Hercília Agarez, Miguel Torga, Nadir Afonso, Natália Fauvrelle, Otílio Figueiredo, Paula Godinho, Rául Rêgo, Ribeiro Aires, Rui Pires Cabral, Sílvia Alves, Tiago Patrício, Teixeira de Pascoaes, Vergílio Taborda, Virgínia do Carmo, Vítor Nogueira, etc...
Obras em prosa ou poesia; romances, novelas e contos; livros técnicos e revistas temáticas; álbuns infanto-juvenis e de banda-desenhada; de edições de bolso a álbuns de fotografia; de guias turísticos a cd’s e dvd’s; de edições de autor a edições de associações e outras instituições; em português e an mirandés; num esforço para se reunir e apresentar num mesmo local a riqueza cultural e literária da região de Trás-os-Montes e Alto Douro.

Visitem(-nos)...
António Alberto Alves
Traga-Mundos – livros e vinhos, coisas e loisas do Douro
Rua Miguel Bombarda, 24 – 26 – 28 em Vila Real
2.ª, 3.ª, 5.ª, 6.ª, Sáb. das 10h00 às 20h00 e 4.ª feira das 14h00 às 23h00
259 103 113 | 935 157 323 | traga.mundos1@gmail.com

Próximos eventos:
- de 20 de Agosto a 30 Setembro de 2014: exposição 5 cartazes originais das Corridas de Vila Real (1967, 1968, 1970, 1972, 1973);
- 27 e 28 de Setembro de 2014: presença com uma banca de livros, mais algumas coisas e loisas, no Festival Aldeias Vinhateiras, em Provesende;
- dia 4 de Outubro de 2014 (quinta-feira): presença com uma banca de livros, mais algumas coisas e loisas, no VI Encontro de Didática do Português da DPG - Associação de Professores de Português na Galiza.

"Relevos", de Virgínia do Carmo - FEIRA DO LIVRO DO PORTO

Tenho um cerco de cicatrizes na raiz das mãos.
Um muro de sustos entre mim e ti. O desejo
nasce-me informe por todo o corpo e eu não sei
onde colocar os lábios quando a sede me derruba.
Procuro a minha boca no chão. Mas hoje é isso
que eu sou: um corpo mudo cheio de palavras
por dentro
"Relevos", de Virgínia do Carmo
Poética Edições, Setembro de 2014

«Virgínia do Carmo nasceu em Champagnole, França, em 1973. É licenciada em Comunicação Social, tendo exercido jornalismo no início da sua vida profissional. Mais tarde tornou-se livreira e vem desenvolvendo, desde há um ano, um pequeno projecto editorial.  É também autora das obras “Tempos Cruzados” (poesia, Pé de Página Editores, Coimbra, 2004), “Sou, e Sinto” (poesia, Temas Originais, Coimbra, 2010) e “Uma luz que nos nasce por dentro” (contos, Lua de Marfim Editora, Lisboa, 2011).»

11 setembro 2014

APRESENTAÇÃO DE RELEVOS DE VIRGÍNIA DO CARMO, por Hercília Agarez

APRESENTAÇÃO DE RELEVOS DE VIRGÍNIA DO CARMO

Os poetas podem contemplar as estrelas, enquanto os bichos sociais se devoram na sombra (?)

    Há coisas que se não medem com fita métrica, não se pesam com balança, não se lhes avalia a temperatura com termómetro. Há coisas cujo valor é imaterial, coisas que nenhum dinheiro pode comprar. O talento é uma delas. O talento, esse privilégio, esse dom atribuído por um qualquer deus e que guinda quem o possui a alturas onde aves não chegam, lá para os lados das estrelas.
    Nenhuma arte nasce sem essa centelha de génio que ilumina o artista. Hoje falamos de literatura, mais precisamente de poesia, para festejarmos uma obra que, a haver justiça, mostrará à intelligentsia deste pais que, se Portugal é um país de poetas, Trás-os-Montes ajuda a confirmar a asserção.
    No interior deste espaço telúrico mais lembrado por uns resquícios de tradições, pela gastronomia e por alguma paisagem vendida ao turista a troco de um cálice de mau vinho fino, vive gente, mais e menos jovem, que, ao dedicar-se à escrita, o faz por paixão, cônscia de que dificilmente alguém lhe faça uma recensão, lhe dedique umas linhas na imprensa cultural, lhe ponha os livros ao alto em estantes de livrarias onde se acotovelam biografias de futebolistas, manuais de receitas de senhoras da televisão, Dan Browns da moda.
   Neste interior de rigores climáticos, de distanciamento das capitais, Virgínia do Carmo não cruza os braços, melhor, não põe um dique a estancar a inspiração. Vocacionada para a valorização da riqueza cultural, acaricia os livros com mãos de veludo, abre-lhes o seu peito, qual tabernáculo, onde, como veremos, arrecada ciosamente patrimónios afectivos e vivências, estrelas e mar, rios e flores, pássaros e pedras. Mulher destemida, empreendedora, persistente, livreira e editora, prosadora e poeta, de voz acetinada e olhar luminoso, anfitriã que gosta de mimar quem a visita nem que seja só com o seu sorriso, reservou-nos uma surpresa  para a rentrée. Não é uma estreia no género, é uma pérola ainda mais preciosa que as anteriores. Se Sou e Sinto (não conheço Tempos Cruzados) é uma espécie de aperitivo gourmet, RELEVOS é um prato substancial, uma harmoniosa e saborosa mistura de sabores, aromas e texturas, uma delícia para o paladar do espírito. Mas já lá vamos
     Em certas circunstâncias sinto-me no dever de justificar a minha presença como apresentadora de uma obra literária. Não sou macedense, não sou poeta. Estou, pois, aqui pela simples razão de gostar da Virgínia e de ela gostar de mim. Ela quis arriscar. Por isso lhe estou grata. Eu, talvez levianamente, aceitei.
    Na minha longa carreira de professora de Literatura que ainda sou, quantas vezes me interroguei sobre a análise de um texto literário, sobretudo poético. Quem somos nós, leigos na arte da escrita, para impingir aos alunos as nossas leituras?
    A este propósito não posso deixar de referir um episódio recentemente passado com Pires Cabral a propósito da Gaveta do Fundo. Num encontro de leitores, uma colega escolheu um poema para ler e deu-lhe a sua interpretação ao que ele respondeu: não era isso que eu queria dizer, mas agradeço-a e acho-a aceitável.
    Há dias, aqui neste lugar de cultura e de afectos, punha-se uma questão que teria dado pano para mangas, se não para um fato completo… O que é um escritor? O que é um poeta? Sem preocupações académicas nem de teorização literária, eu responderia com toda a clareza e simplicidade: o escritor distingue-se do escrevinhador como o poeta do versejador.
     Sobre os poetas, direi ainda que eles têm ideias. Pensam, escrevem e, quem sabe, sonham poesia, enquanto os outros se limitam a rimar banalidades, obcecados com as regras aprendidas na escola. Melhor do que eu falam vozes credíveis. Como Adolfo Casais Monteiro em

Aurora

A poesia não é voz – é uma inflexão.
Dizer, diz tudo a prosa. No verso
nada se acrescenta a nada, somente
um jeito impalpável dá figura
ao sonho de cada um, expectativa
das formas por achar. No verso nasce
à palavra uma verdade que não acha
entre os escombros da prosa o seu caminho.
E aos homens um sentido que não há
nos gestos nem nas coisas:

voo sem pássaro lento.

    Pires Cabral chama à poesia “o danoso ofício das metáforas” e Francisco José Viegas afirma: “A poesia não tem a ver com a literatura. Releva do domínio do sagrado indizível”. E Torga escreve: “Os poetas são como os faróis, dão chicotadas de luz na escuridão”.
    Antes de nos pronunciarmos sobre a poesia da Virgínia, vamos ver como ela se nos apresenta:

Na medida de todas as coisas

Na medida de todas as coisas, eu
a ser pequena.

O ar a doer-me, a não caber no coração
pequeno. E as mãos, tão pequenas, a perderem
os gestos no avesso de todos os tamanhos.

E eu,
a ser pequena.

Um horizonte a rasgar-me, a não caber
nos meus olhos pequenos.

Um chão de lume a consumir-me pés
e passos. A vida a doer-me, a não caber
no meu corpo pequeno. Tão pequeno.

E na medida de todas as coisas, eu,
a ser pequena.

Permitam-me que apresente a minha versão dos dois últimos versos:

E na medida das coisas poéticas, eu
a não ser pequena.

    Este livro chama-se RELEVOS. A plurissignificação obriga a um esclarecimento: um vocábulo, três acepções. Cabe ao leitor a escolha da que entende mais adaptada ao teor dos poemas. Ele tem essa liberdade. Por mim, opto pelo segundo sentido. Porque ele me sugere a orografia transmontana, as suas fragas  -  altos-relevos esculpidos em pedra (“E há fragas de pó no teu peito sem janelas”). Em contraste com a com a brandura lisa e amarela da planície alentejana. E também porque a vida da autora nos surge pautada por uma não linearidade, antes por percursos acidentados, sinuosos, exterior e interiormente. A própria afirma: Não sou uma linha recta;não sei ir direito para dentro de mim. O seu caminho, no duplo sentido de o caminho por onde vai e o caminho que é, é feito de sobressaltos, de ciladas, de incidentes e acidentes, de desafios, ilusões e desilusões, de mais dúvidas do que certezas: Não sou caminho de bermas simétricas.
    Alheia a um mundo que a rodeia onde os ditames sociais imperam, ela orienta “os seus próprios passos” , como afirma José Régio em “Cântico Negro, segundo o que lhe pede o peito, esse reduto inviolável do seu ser, essa caixinha de segredos, esse espaço onde gostaria de guardar constelações e penedias, essa redoma onde se refugia “dos ares contaminados: […] O corpo é um lugar que podes adormecer para / dissecar. Mas o peito não. O peito é uma pedra dura…” (in “Dor”)
    A propósito de pedra, assinalemos a recorrência desta palavra a que vêm juntar-se chão e caminho, peito, corpo e pele. Porquê pedras? Por serem parte integrante de chão? Pela sua firmeza, pela resistência que oferecem ao efeito corrosivo do tempo? Pela garantia de perenidade? Por serem testemunhas caladas do seu estar só?

“O peito é uma pedra dura”;
“[…] a síntese química das pedras”;
“É um cordão de pedras e nós a engolir silêncios  / irrespiráveis…”
“Apetece-me // o silêncio das pedras”.

    Quanto ao emprego frequente da palavra chão, usada no seu sentido literal, não poderemos ver nela um sinónimo do elemento terra? E de Terra Mater? Não será esse chão para Virgínia o que foi para Anteu, o gigante da mitologia que se sentia inexpugnável ao pisá-lo? Um chão que ampara os passos, as quedas, que não devora nem amputa como as ondas do mar: Perdi os braços no alto mar.

 “Cansada de tudo o que me sobra de chão”;
“[…] luz estilhaçada no ventre do chão vazio”;
“Um chão de lume a consumir-me pés e passos”;
“um grito de esperança a eclodir do chão”.

    Da recorrência dos vocábulos corpo, peito e pele falaremos oportunamente.

    As duas primeiras partes do livro são dominadas por um eu que se desnuda perante o leitor, que lhe transmite as suas angústias, os seus desejos e as suas frustrações, um eu que é como um novelo enrolado para o lado de dentro como se considerava Fernando Pessoa. É um ser que sofre e que deixa transparecer a sua dor através do uso de palavras como susto, medo, saudade, solidão, lágrimas, gritos, vazio, perda, suspiro, desmaio, algumas delas a servir de título (ou parte dele) aos poemas


Não há desespero algum neste estar só. Se
permaneço imóvel é porque o silêncio é mais
simples do que a voz de alguém. Na fala dos
outros há sempre a rouquidão das coisas. O
gemido latente das mãos a quererem mais. E
no chão fora de mim há estilhaços onde corro
o risco de ferir os pés. Corações que se partiram
contra as manhãs de vidro dos sonhos.

Aqui estou a salvo. Neste estar só onde é impossível
enlouquecer. Onde não há janelas que me atirem
tempestades. Nem sol que me arda no peito.

    E a propósito uma questão se me levanta: há relação entre o estar só e a criação poética? Calculo que sim.

    Temos a sensação de que o sujeito poético (para usar a terminologia da moda) impõe-se como é antes de fazer entrar em cena o tu que com o eu forma o nós, ambos protagonistas de um drama sentimental adivinhadamente acidentado e que atinge o clímax na III parte. É a explosão dorida do sentimento amoroso, é o assumir de uma dependência sentimental da mulher que, como nas Cantigas de Amigo, suspira pela vinda do amado, pelos seus encontros, dele pede novas às flores do verde pino.
    É, também, a altura de recorrências linguísticas como corpo, peito, pele, sugerindo uma comunhão de desejos e de palavras, de cruzar de caminhos e de afectos. Como acontece em todas as partes do livro, Virgínia faz uma curta introdução também ela poética como as anteriores:

Existir-me-á para sempre // [A doer-me tanto] // O sulco fundo e transparente de um fio de luz a // bordar-te em mim.

    Não cheguei a despedir-me de ti

Não cheguei a despedir-me de ti. Deixaste manhãs
nas cortinas das palavras que ainda não tínhamos
dito, e foste.

 [Uma planície de silêncios a queimar-me os pés. Passos
em combustão no limiar da boca.]

No peitoril da janela aberta morreu pouco depois a
~brancura. E o eco das lágrimas que ela chovia do alto
dessa paz de te querer tanto. E eu, quantas vezes
adormeci sobre a brisa de claridades nascidas da tua
presença simples, sem sombras, eu, que preciso tanto
desse céu limpo sobre o corpo deste não dizer, desse
cair sem dor no chão dos teus dedos, morro agora.

De olhos secos. Derramada em faúlhas de espera. Sem
eco que me salve da tristeza,

[um vento forte a sacudir as palavras que ainda não
tínhamos dito)

porque foste,
e não cheguei a despedir-me de ti.

(alternativas – “No avesso dos voos”, “Dói-me o caminho que sou”,

    A IV parte inicia-se, talvez propositadamente, com o poema “Catástrofe”. É o regresso de um eu agora imbuído de uma preocupação com os outros ( “Sobre as Pedras” – a fome que mata crianças todos os dias), sensível à natureza e às suas dádivas – (“O tempo das laranjas”), crítico em relação a atitudes de religiosidade imposta (“Páscoa”  - Na vigília extensa do Teu nome / algumas mulheres cobrem a cabeça. // Quase todas se vergam em sacrifícios estabelecidos/ e genuflexões mecânicas, e natal (“Que natal é este” – Dentro de mim não há-de caber um natal / que não sabe caber dentro de todos.

    Além do que, creio, ficou patente quanto ao valor literário da poesia de Virgínia do Carmo, gostaria de referir pormenores que me não passaram desapercebidos. Falo da riqueza vocabular por vezes conseguida pela inusitada adjectivação (liquidez inabraçável do mar; gritos angulares; um anseio vertical; flores acéfalas; aresta áspera e estrídula) pelo recurso a termos eruditos (atérmico, admonição; disfásicas; assíncronos; ambular), pela pluralidade de léxicos relativos a áreas do saber convocadas como a geologia, a geografia, a psicologia e a filosofia, a física e a química e, sobretudo, a geometria. Não se trata de intromissões abusivas e arbitrárias, antes surgem como elementos de clarificação de ideias:

Perdi […] a triangulação das estrelas e a síntese química das pedras;
…na rota recta dos/ olhos, na planura esguia dos ângulos do tempo // [obtusos demais];
…Não tenho ângulos para / medir a congruência dos passos.
  
   Termino agradecendo aos presentes a paciência com que me ouviram. Contava escrever um texto curto, mas a obra não mo autorizou. Entusiasmei-me, e lá vai disto…
   Reitero a ideia de que RELEVOS é uma colectânea poética de Relevo. Um marco na poesia portuguesa dos nossos dias a ombrear com poetas vivas como Teresa Horta, Ana Luísa Amaral, Maria do Rosário Pedreira e outras. Que todo o relevo seja dado a este livro em que alguém que tem a poesia inscrita no seu código genético dá prova de segurança e de maturidade, eis o que desejo à autora a quem me cabe agradecer o ter-me investido de tamanha responsabilidade. Obrigada.

M. Hercília Agarez, Macedo de Cavaleiros, 7/ 9 / 2014

04 setembro 2014

Hirondino Fernandes - Homenagem e apresentação do documentário

Leonel Brito e Dr. Hirondino Fernandes
 Palavras proferidas por ocasião da "Homenagem e apresentação do documentário Hirondino da Paixão Fernandes na Primeira Pessoa"
 (Centro Cultural Municipal Adriano Moreira, Bragança, 2014. 06. 14, 21h30)
Ex.mo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Bragança
Ex.mo Senhor Vice-Presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes
Minhas Senhoras e meus Senhores
Respondendo a um amável e super-generoso convite do distinto Vice-Presidente da Academia de Letras de Trás-os-Montes, Prof. Doutor António Tiza, secundado pelo programa das "Exposições no Centro Cultural Municipal Adriano Moreira",  de 11 a 14 de junho 2014, que menciona a "Homenagem e apresentação do documentário Hirondino da Paixão Fernandes na Primeira Pessoa", provindo das mãos do mesmo, aqui estamos dizendo PRESENTE. 
Ao fazê-lo, as nossas primeiras palavras são:

"Estas honras e este culto
Bem se podiam prestar
A homens de grande vulto.
Mas a mim, poeta inculto,
Espontâneo, popular…
É deveras singular!".

Assim respondia João de Deus, neste belo improviso, a uma homenagem que lhe foi prestada por iniciativa dos estudantes de Coimbra — por sinal das mais significativas, para ele,  dizem que terá dito.
Como João de Deus, assim vamos dizer também nós, agora:

"Estas honras e este culto
Bem se podiam prestar
A homens de grande vulto.

E não adiantamos mais nada nesta direcção, por razões mais que evidentes. Antes perguntaremos: Que é que fizemos nós para merecer a distinção em causa?!…
Não pode aspirar a voos de condor quem nasce para piriquito — e nascer onde nascemos, bem como em tantos lugarejos congéneres (as nossas aldeias todas, ontem, sobretudo), era/é sinónimo disto mesmo: não passar de piriquito: conhecer o combóio quando os meninos bonitos da cidade estavam já cansados de andar de avião…
Fomos/somos, pois, um menino feio, que sempre se refugiou nos seus livros e para eles e com eles tem vivido: primeiramente em Bragança e depois em Coimbra, a estudá-los; logo a seguir, em Leiria, de novo em Bragança e, até ao fim da missão, de novo em Coimbra — sempre na esperança/obrigação de os dar a conhecer aos outros, para formar "Home(ns) de um só parecer, / D' um só rosto, uma só fé, / D' antes quebrar, que torcer […]", como diz certa carta que, certo dia, Sá de Miranda enviou a el-rei D. João III.
Nas horas vagas desta missão …
… mas nós nunca tivemos horas vagas para coisíssima nenhuma porque sempre ocupámos as horas que deveriam ser vagas com a BdB, ora nas bibliotecas/arquivos de Coimbra, Lisboa, Porto, uma vez por outra Bragança e várias vezes em Vila Flor, ora em casa …
Certo, em casa, porém, como?… qual o fim a darmos ao que íamos recolhendo?…
Por estranhíssimo que possa parecer, tinha-nos dado a resposta o Padre António Vieira, em 22 de Junho de 1657, lá de longe, do colégio de Jesuítas de S. Luís do Maranhão, Brasil: "Arranca o estatuário uma pedra dessas montanhas, tosca, bruta, dura, informe; e depois que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão e começa a formar um homem: primeiro, membro a membro e, depois, feição por feição, até à mais miúda. Ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos […]". Ele é tão … lindo este Sermão do Espírito Santo que custa ter de o truncar, mesmo sabendo que V. Excelências o conhecem bem. 
Material reunido, foi, portanto, desbastar o mais grosso, tomar o maço e o cinzel na mão …
Não, minhas Senhoras e Meus Senhores, não vamos falar-lhes, pelo menos em pormenor, de como nasceu e cresceu a BdB propriamente dita — os seus IV volumes iniciais, hoje esgotados e esquecidos, + os IX completados há dias, + o X, que há-de aparecer brevemente, para não falarmos dos eventuais XI e XII, que já deram os primeiros passos — os primeiros IV + os IX ultimamente publicados, com as suas virtudes, que esperamos sejam … muitas, e os seus defeitos, que presumimos serem poucos … certos, todavia, de que são alguns.
Pequenos os que se nos têm deparado neste total de volumes até hoje publicados, 4+9 = 13, e ninguém tem querido apontar-no-los, para os corrigirmos! Por favor, façam-no. Agradecemos.
A hora é de júbilo.
De júbilo, pela querida presença de V. Excelências nesta hora e lugar, porque ela é a prova provada:

a) de que não errámos quando nos lançámos nesta "ciclópica" tarefa (assim houve quem a já tivesse designado), de anos e mais anos, quase uma eternidade em bibliotecas e arquivos; 
b) de que não erraram o Prof. Engenheiro Dionísio Afonso Gonçalves e o Prof. Doutor Francisco José Terroso Cepeda (Instituto Politécnico) que, juntos à Câmara Municipal e ao Arquivo Distrital publicaram os 4 volumes da Série Documentos; 
c) e de que igualmente não erraram o saudoso Presidente (da Câmara citada, Bragança), Mestre Eng. António Jorge Nunes, que inciou a sua publicação, e o actual Presidente (da mesma Câmara) Dr. Hernâni Dinis Venâncio Dias, que a continua, publicando a Série Escritores, Jornalistas, Artistas.

A hora é de júbilo, dissemos e repetimos, porque temos a alegria de saber que, entre V. Excelências, estão vários dos muitos que, desde longe, nos vem dando com o seu exemplo e a sua palavra amiga a coragem necessária para não baixarmos os braços:
O primeiro deles todos, de corpo e alma, a toda a hora e em tudo sempre presente, por razões múltiplas que não pôde anular, falta agora aqui, mas já esteve telefonicamente connosco, como acontece quase todos os dias, com as suas informações e o seu conselho prudente. Sem a sua ajuda, tudo teria sido deveras mais difícil. Obrigado, Prof. Doutor Telmo Verdelho.
O segundo temos o grato prazer e a subidíssima honra de o vermos mais uma vez entre nós — a bem dizer ele está também sempre connosco desde o dia em que nos encontrámos, já lá vão anos, na Biblioteca Nacional de Lisboa e nos animou a seguir em frente, com determinação. Desde então, a sua postura tem sido invariavelmente a mesma, culminando com a gentileza da nossa nomeação para sócio honorário da Academia de Letras de Trás-os-Montes e agora, cremos, com a indicação do nosso nome para figurar na lista dos documentários a levar a efeito pela mesma Academia. Não falando nas muitas informações, sempre que solicitadas de imediato remetidas. Obrigado, Prof. Doutor Ernesto Rodrigues. 
E os Patrocinadores da obra acima referidos que, sem nunca a terem visto, não hesitaram minimamente em a mandar para a Tipografia?!… Como lhes estamos grato — pela publicação, sim, mas, acima de tudo, pela confiança que sempre lhes merecemos!… O gesto de V. Excelências não tem preço. Obrigado, mil vezes obrigado Prof. Engenheiro Dionísio Afonso Gonçalves e Prof. Doutor Francisco José Terroso Cepeda, Mestre Eng. António Jorge Nunes e Dr. Hernâni Dinis Venâncio Dias. 
E o Juiz Conselheiro Francisco Diogo Fernandes, que há poucas horas, com vontade de ficar, partiu … porque de há muito se comprometera a estar presente na Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro do Porto, a estas horas!… Quanto não valem as informações tantas vezes prestadas e a certeza do seu apoio moral nunca regateado!… Obrigado, Conselheiro Francisco Diogo Fernandes. 
E outros, com múltiplas informações, a respeito de  A e B e C, D e etc.,  o alfabeto todo quase não chega, não é verdade, Prof. Doutor António Tiza, Prof. Doutor Carlos d' Abreu,  Prof. Doutor Armando Palavras, Mestre Amadeu Ferreira, Mestres Ana Maria Afonso e Élia Mofreita, Dr. Pires Cabral, Dr. Artur Barracosa Mendonça ?… Ele foram/são tantos …
Não é verdade, Mestre Amadeu Ferreira?! Diga-nos que sim, querido Amigo, o Mirandês precisa de si e nós precisamos ainda mais. Mande a doença para os infernos. Grite-nos a dizer que o mau tempo já lá vai. Diga-nos que já está bom. Breve, que estamos intranquilos, o coração a doer. Já está bom, ora já?!…
E há mais, muitíssimos outros, que agora não temos tempo para referir mas que, a seu tempo, haveremos de lembrar.
Cremos estar a alongar-nos demasiado. Coisas destas são para duas palavras, Muitíssmo Obrigado  e disse. Temos de terminar, pois, para ir embora.
Também só nos falta a resposta a uma forçosa pergunta: Que dizer do documentário, produção e realização do distinto cineasta  — foi vê-lo e tê-lo por Amigo — Leonel Brito?
Apenas que, se de lupa na mão alguém descobrir alguma imperfeição ou erro, a culpa é do modelo: feio que nem chimpanzé, palrador que nem corujo, a memória já semi-avariada … Deixe lá, prezadíssimo Leonel Brito. Cá por nós, o documentário do Hirondino … está mais que bem. Disse: mais que bem, repare. Obrigado.
E falta isto que, sendo pouco, nos parece mais que super-relevante: Felicitar, muito de alma e coração, os promotores ou promotor desta iniciativa da Academia — onde há muito quem, por direito muito próprio, nela, iniciativa, mereça figurar e a nós, por generosidade, nos encaixaram — o Prof. Doutor Ernesto Rodrigues, se não único, principal promotor, por certo. Que ela se torne o grande centro de recolha de dados de que Bragança poderá ser exemplo.
Em frente, com isto ou algo como isto mesmo. E que todos se dêem as mãos porque só a união faz a força … para tudo necessária. 
Obrigado, mil vezes Obrigado! 
Agora sim, terminamos, minhas Senhoras e meus Senhores, socorrendo-nos de António Ferreira, poeta do séc. XVI, tantas vezes, graças a este mesmo dístico, lembrado:

“Eu desta Glória só fico contente
que minha terra amei e a minha gente”.


Dissemos.

Hirondino Fernandes