30 maio 2013

A CASA DE BRAGANÇA

A Casa de Bragança ( sinopse)

D. Pedro e D. Inês de Castro casaram em Bragança, onde lhes nasceu o segundo filho, D. João de Portugal e Castro, calhado para um trono que as vicissitudes da História entregaram ao meio-irmão D. João I. A figura daquele, dito assassino de Maria Teles, é reabilitada na memória de amigos que com ele conviveram até às vésperas da morte, em 1398. A casa da família Roiz triangula a igreja de Santa Maria e a Domus Municipalis, outras moradas dentro da vila e cidadela, o que significa contar as origens do burgo, a construção do castelo e a linhagem dos Rodrigues, num lapso de mil anos.

A narrativa é organizada por Afonso Roiz, cujo pai tanto pode ser D. João de Castro como o sobrinho D. Afonso, primogénito do mestre de Avis e primeiro duque de Bragança. As suas andanças pela Europa, com o infante e futuro regente D. Pedro (1425-1428); a participação no desastre de Tânger (1437), logo companheiro de infortúnio de D. Fernando, Infante Santo, em Fez (1443); a amizade com o segundo duque, D. Fernando I, e presença no arraial de Ceuta, donde trouxe carta de foral dirigida à nova cidade (20 de Fevereiro de 1464) ‒ tudo isso, narrativa dos avós e aventuras de um raro observador, retrata o Portugal de Quatrocentos, no concerto europeu e marroquino.      

Essas duas partes ficaram impressas em fólios que outro Afonso Rodrigues (nado em 1956) colige: não só acompanha, aos oito anos, as celebrações do quinto centenário do foral (1964), como, 50 anos depois, resolve também enigmas da sua vida, junto da Domus Municipalis pós-abrilina, quando o coração, seu e do país, inaugura vida nova. Deste modo, História local, linhagística e pátria conjuga-se em demanda de afectos e celebração de Bragança, nos seus 550 anos de cidade.



A Casa de Bragança (excerto)


Dirigia-me à cidadela, como quem vai atrás de enigma – enigma quase, quase a resolver-se, cinquenta anos depois. 

Estava longe de imaginar que desvendaria alguns segredos: de família, da cidade, mesmo da pátria. Amo este chão, que me fez quem sou, e desejo refrescar-lhe dúvidas, certezas, raízes.

No Largo do Principal, tomava fôlego: obelisco soletrava vidas caídas na França de 14-18; da igreja de São Vicente nascera quadra, que minha avó recitava amiúde: «Hallóse Don Pedro libre, / y a su mal medio buscando, / se casó con Doña Inés / en Berganza con recato.» Encontrei-a no romanceiro espanhol, sem vírgula a menos. Mas, agora, subir o S invertido da Costa Grande não era pêra doce, irregular nos calhaus de xisto delidos pelo tempo. Vencida a ladeira, ao cimo, um portal quinhentista na então Rua Larga lembrava o primeiro arrabalde deslizando para o rio. Era memória antiga de burgo determinado que já no século XV transbordara da cinza do medo guardado em barbacãs.

Eu queria vê-lo festivo, dentro e fora de muros, bailando ao som de trombas de prata, como nessa gloriosa manhã em que um pregão reunia no largo da câmara, entre a Domus Municipalis e o pelourinho, o povo todo. Aí, foi anunciado que «Dom Affonso por graça de Ds. Rey de Portugal e do Algarve señor de Cepta e dalcacere em Africa», considerando «os muitos serviços e obras de grandes merecimentos que a nos, e a el rey D. Duarte nosso padre, e a nossos Reynos tem feyto dom Fernando segundo duque de Bragança, meu muito amado, e prezado primo, e querendo-lhe galardoar como a nós cabe, e por nollo elle Requerer a nos praz daqui por diante a sua Villa de Bragança se chamar Cidade».

O prazer é todo nosso, caríssimo rei.

Um longo parágrafo de cinco séculos vinha até 1964 – tinha eu oito anos, nada sabia de mim −, deslaçando-se em 20 de Fevereiro de 2014, cujo ponto final nem Deus conhece.


A Casa de Bragança 

Do Movimento Operário e Outras Viagens

ambos na Âncora Editora, serão lançados em Bragança, nos dias 8 e 9 de Junho, respectivamente. Volto, assim, à ficção histórica, após O Romance do Gramático (Gradiva, 2011), e, 15 anos depois, à poesia. Eis duas razões, que outras não houvesse, para reatar o diálogo.

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ERNESTO José RODRIGUES (Torre de Dona Chama, 1956) é poeta, ficcionista, crítico e ensaísta, editor literário, tradutor de húngaro. Professor auxiliar com agregação da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, preside à direcção da Academia de Letras de Trás-os-Montes.

Estreado em 1973, com sete colectâneas de poemas e presença em 16 antologias, resume, agora, 40 anos de poesia em Do Movimento Operário e Outras Viagens, a lançar em 9 de Junho, em Bragança. Na ficção, assinou: Várias Bulhas e Algumas Vítimas, 1980; A Flor e a Morte, 1983; A Serpente de Bronze, 1989; Torre de Dona Chama, 1994; Histórias para Acordar, 1996; O Romance do Gramático, 2011; A Casa de Bragança, com lançamento no dia 8 de Junho, em Bragança, naturalmente. Com centenas de artigos em jornais, revistas, actas e volumes colectivos, salientam-se, no ensaio, os seguintes títulos: Mágico Folhetim. Literatura e Jornalismo em Portugal, 1998; Cultura Literária Oitocentista, 1999; Verso e Prosa de Novecentos, 2000; Visão dos Tempos. Os Óculos na Cultura Portuguesa, 2000; Crónica Jornalística. Século XIX, 2004; A Corte Luso-Brasileira no Jornalismo Português (1807-1821), 2008; ‘O Século’ de Lopes de Mendonça: O Primeiro Jornal Socialista, 2008; Centenário da Morte de Trindade Coelho. Exposição Biobibliográfica, 2008; 5 de Outubro. Uma Reconstituição, 2010; O Jornalista Republicano Alves Correia, 2012. Além de co-editor do Dicionário de Literatura (dir. de Jacinto do Prado Coelho), Actualização (3 vols., 2002-2003), editou, entre outros: Padre António Vieira, Alexandre Herculano, Camilo Castelo Branco, Júlio Dinis, As Farpas Completas de Ramalho Ortigão (2006-2007), Augusto Moreno, José Marmelo e Silva, António José Saraiva e, sobretudo, Tomé Pinheiro da Veiga, Fastigínia (2011). Com Amadeu Ferreira, organizou A Terra de Duas Línguas. Antologia de Autores Transmontanos, 2 vols. (2011, 2013).

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